quinta-feira, 7 de abril de 2016

Em que sentido admitimos que a Bíblia é a Palavra de Deus? As traduções não a comprometem?

No que concerne à inspiração da Bíblia (theopneutos = inspiraçãoTheo = Deus, pneutos = sopro, 2 Tm  3.16; 2 Pe 1.21), sabe-se que o texto isento de erros, de contradições, de falhas, etc., foi o texto original, ou seja, os autógrafos que não mais existem.  As cópias que vieram depois apareceram com variações de diversos tipos, embora saibamos com certeza, baseados nos manuscritos existentes atualmente, que não há uma variação significativa que comprometa o texto no sentido de compreendê-lo. É comum os críticos do texto bíblico não entenderem ou não levarem em conta que quando no texto ocorrem variações, elas não alteram o sentido do escrito original. É a partir dessa noção que consideramos a Bíblia como a Palavra de Deus. Se as cópias, versões e traduções dela expressam a mensagem divina, podemos afirmar com certeza, que a Bíblia que chegou até nós, é a Palavra de Deus isenta de erros, e que Deus continua falando conosco por meio dessas cópias.
Ao ler uma passagem bíblica sem estar bem atento à ela, em nossas traduções e versões impressas, é possível presumir inicialmente no texto bíblico a possibilidade de contradição, embora possamos denomina-las aparentes contradições. Recentemente, em numa aula na Escola Bíblia Dominical, fiz referência ao seguinte texto paulino sobre a relação dos judeus e gentios com o evangelho:

Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus. (1 Co 1.19-24).

Interpretando o texto supracitado, expliquei que os judeus pediam sinal porque, como ortodoxos espectadores da vinda do Messias, eles buscavam provas, evidências da divindade de Cristo. E os gregos buscavam sabedoria porque tinham uma tradição filosófica, amparados sempre em explicações racionais. Ao se apresentar como o Messias, Jesus Cristo se tornou escândalo para os judeus – que primavam pela prova, pelo sinal – e loucura para os gregos – que primavam pela racionalidade. Porém, para nós, diz Paulo, Cristo não é nem escândalo, nem loucura, mas poder de Deus e sabedoria de Deus.
Um determinado aluno questionou: e como fica o texto de Romanos 12.1 que nos mostra a necessidade de um “culto racional”? A lógica daquela pergunta era a seguinte: se não enfatizamos a racionalidade (como queriam os gregos), por que Paulo nos conclama a usá-la falando em termos de “culto racional”?
Respondendo à pergunta: a ideia da expressão paulina não é um uso estrito da razão, ou da racionalidade, para se explicar em termos filosóficos a postura santa no momento do culto individual e intrínseco. Até porque a expressão “culto racional” não é o mesmo de “culto devocional”. Ali há uma conclamação para apresentar o corpo em “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. Ou seja – usando sinônimos da ideia – é preciso se apropriar de uma postura “razoável, adequada, sensata, conveniente, aceitável, ou logicamente plausível” para estar diante de Deus. Somente essa atitude pode ser qualificada como culto à Deus. Um olhar comparativo das versões desse texto nos auxilia. Vejamos Romanos 12.1 em algumas dessas versões:
A Vulgata Latina diz: “rationabile obsequium vestrum”, isto é, “o vosso culto racional”. Por ter se servido dessa tradução latina, e do Textus Receptus, João Ferreira de Almeida traduziu esse versículo usando a mesma expressão, pois lemos na versão da Bíblia Almeida Corrigida Fiel: “que é o vosso culto racional”. Da mesma forma, temos na King James: “{which is} your reasonable servisse” (“que é o vosso culto racional”). Seguindo a mesma ideia, a NVI diz: “este é o culto racional de vocês”.

No chamado Textus Receptus (a compilação dos manuscritos bizantinos em grego que foram a base para traduções como a Bíblia de Lutero, a King James, bem como outras traduções protestantes como a própria tradução portuguesa de Almeida) encontramos no final de Romanos 12.1 o seguinte: “θεω την λογικην λατρειαν υμων”. “λογικην” transliterado é “Logicên”, um termo próximo de “lógica”, e que traduzido é “razão” ou “razoável”. E o grego moderno diz: “ητις ειναι η λογικη σας λατρεια”, ou seja, “que é o vosso culto racional”, pois “λογικη” é traduzido por “razoável”. Neste caso, me parece que a NIV (NVI em inglês) se aproximou melhor da ideia do versículo. Nessa versão, temos: “this is your true and proper worship” (“esta é a sua adoração verdadeira e adequada”). Dessa forma, embora no texto traduzido ocorram variações, elas não alteram o sentido do escrito original, e o contexto do versículo nos permite a compreensão da mensagem divina.

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