quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Victor Hugo – A oração



Observem que abordagem interessante sobre a oração, extraído do famoso romance francês de Victor Hugo, Lés misérables


“Eles oram.

A quem?

A Deus.

Orar a Deus, o que isto quer dizer?

Há um infinito fora de nós? Esse infinito é único, imanente, permanente, necessariamente substancial posto que é infinito e que, se lhe faltasse a matéria, ficaria limitado? Necessariamente inteligente, posto que é infinito e que, se lhe faltasse a inteligência, acabaria ali? Esse infinito desperta em nós a idéia de essência, enquanto que não podemos atribuir a nós mesmos senão a idéia de existência? Em outras palavras, não é ele o absoluto daquilo de que somos o relativo?

Ao mesmo tempo em que há um infinito fora de nós, não há um outro infinito dentro de nós? Esses dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? O segundo infinito não é, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, seu reflexo, seu eco, abismo concêntrico a um outro abismo? Este segundo infinito também é inteligente? Pensa? Ama? Tem vontade? Se os dois infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio de vontade, e há um eu no infinito de cima, do mesmo modo que há um eu no infinito de baixo. O eu de baixo é a alma; o eu de cima é Deus.

Colocar o infinito de baixo em contato com o infinito de cima, por meio do pensamento, é o que se chama orar.

Não retiremos nada ao espírito humano; é ruim suprimir. É preciso reformar e transformar. Certas dificuldades do homem dirigem-se para o Incógnito, o pensamento, a meditação, a oração. O Incógnito é um oceano. O que é a consciência? É a bússola do Incógnito. Pensamento, meditação, oração, essas são grandes irradiações misteriosas. Respeitemo-las. Para onde vão essas majestosas irradiações da alma? Para a sombra, quer dizer, para a luz.

A grandeza da democracia consiste em nada negar, nem nada renegar da humanidade. Próximo ao direito do Homem, pelo menos ao lado, há o direito da Alma.

Esmagar os fanatismos e venerar o infinito, tal é a lei. Não nos limitemos a prostrar-nos sob a árvore Criação e a contemplar seus imensos ramos cheios de astros. Temos um dever: trabalhar para a alma humana, defender o mistério contra o milagre, adorar o incompreensível e rejeitar o absurdo, não admitir, a respeito do inexplicável, senão o necessário, sanear a crença, tirar as superstições de cima da religião, livrar Deus das lagartas.

Quanto ao modo de orar, todos são bons, contanto que sejam sinceros. Virem seu livro ao contrário e estejam no infinito.” (Hugo, Victor. Os Miseráveis. São Paulo: Martin Claret, 2007. Páginas 497-498).

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