No que concerne à
inspiração da Bíblia (theopneutos = inspiração – Theo = Deus, pneutos = sopro, 2 Tm
3.16; 2 Pe 1.21), sabe-se que o texto isento de erros, de contradições,
de falhas, etc., foi o texto original, ou seja, os autógrafos que não mais
existem. As cópias que vieram depois
apareceram com variações de diversos tipos, embora saibamos com certeza,
baseados nos manuscritos existentes atualmente, que não há uma variação
significativa que comprometa o texto no sentido de compreendê-lo. É comum os
críticos do texto bíblico não entenderem ou não levarem em conta que quando no
texto ocorrem variações, elas não alteram o sentido do escrito original. É a
partir dessa noção que consideramos a Bíblia como a Palavra de Deus. Se as cópias, versões e traduções dela expressam
a mensagem divina, podemos afirmar com certeza, que a Bíblia que chegou até
nós, é a Palavra de Deus isenta de erros, e que Deus continua falando conosco
por meio dessas cópias.
Ao ler uma passagem bíblica
sem estar bem atento à ela, em nossas traduções e versões impressas, é possível
presumir inicialmente no texto bíblico a possibilidade de contradição, embora
possamos denomina-las aparentes
contradições. Recentemente, em numa aula na Escola Bíblia Dominical, fiz
referência ao seguinte texto paulino sobre a relação dos judeus e gentios com o
evangelho:
Porque
está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência
dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o
inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste
mundo? Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua
sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os
judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; Mas nós pregamos a Cristo
crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para
os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de
Deus, e sabedoria de Deus. (1 Co 1.19-24).
Interpretando o texto
supracitado, expliquei que os judeus pediam sinal porque, como ortodoxos
espectadores da vinda do Messias, eles buscavam provas, evidências da divindade
de Cristo. E os gregos buscavam sabedoria porque tinham uma tradição
filosófica, amparados sempre em explicações racionais. Ao se apresentar como o
Messias, Jesus Cristo se tornou escândalo para os judeus – que primavam pela
prova, pelo sinal – e loucura para os gregos – que primavam pela racionalidade.
Porém, para nós, diz Paulo, Cristo não é nem escândalo, nem loucura, mas poder
de Deus e sabedoria de Deus.
Um determinado aluno
questionou: e como fica o texto de Romanos 12.1 que nos mostra a necessidade de
um “culto racional”? A lógica daquela pergunta era a seguinte: se não
enfatizamos a racionalidade (como queriam os gregos), por que Paulo nos
conclama a usá-la falando em termos de “culto racional”?
Respondendo à pergunta:
a ideia da expressão paulina não é um uso estrito da razão, ou da racionalidade,
para se explicar em termos filosóficos a postura santa no momento do culto
individual e intrínseco. Até porque a expressão “culto racional” não é o mesmo
de “culto devocional”. Ali há uma conclamação para apresentar o corpo em
“sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. Ou seja – usando sinônimos da
ideia – é preciso se apropriar de uma postura “razoável, adequada, sensata,
conveniente, aceitável, ou logicamente plausível” para estar diante de Deus. Somente
essa atitude pode ser qualificada como culto à Deus. Um olhar comparativo das
versões desse texto nos auxilia. Vejamos Romanos 12.1 em algumas dessas versões:
A Vulgata Latina diz:
“rationabile obsequium vestrum”, isto é, “o vosso culto racional”. Por ter se
servido dessa tradução latina, e do Textus Receptus, João Ferreira de Almeida
traduziu esse versículo usando a mesma expressão, pois lemos na versão da
Bíblia Almeida Corrigida Fiel: “que é o vosso culto racional”. Da mesma forma,
temos na King James: “{which is} your reasonable servisse” (“que é o vosso
culto racional”). Seguindo a mesma ideia, a NVI diz: “este é o culto racional
de vocês”.
No chamado Textus
Receptus (a compilação dos manuscritos bizantinos em grego que foram a base
para traduções como a Bíblia de Lutero, a King James, bem como outras traduções
protestantes como a própria tradução portuguesa de Almeida) encontramos no
final de Romanos 12.1 o seguinte: “θεω
την λογικην λατρειαν υμων”. “λογικην”
transliterado é “Logicên”, um termo próximo de “lógica”, e que traduzido é
“razão” ou “razoável”. E o grego moderno diz: “ητις ειναι η λογικη σας λατρεια”, ou seja, “que é o vosso culto
racional”, pois “λογικη” é traduzido
por “razoável”. Neste caso, me parece que a NIV (NVI em inglês) se aproximou
melhor da ideia do versículo. Nessa versão, temos: “this is your true and
proper worship” (“esta é a sua adoração verdadeira e adequada”). Dessa forma,
embora no texto traduzido ocorram variações, elas não alteram o sentido do
escrito original, e o contexto do versículo nos permite a compreensão da
mensagem divina.
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