Como Missão Integral da Igreja
comumente se entende a ação social, ou atividade social como parte do dever
cristão, o que não se configura o mesmo que evangelização, mais uma
complementaridade dela. Assim está expresso no artigo 5 do Pacto de Lausanne
(de 1974): Embora a reconciliação
com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização,
nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o
envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Sim, parte
do nosso dever cristão porque, sendo o amor a essência do cristianismo, ele
será expresso em todos os seus termos na humanidade. Conforme está no Pacto, ...
toda pessoa... possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser
respeitada e servida, e não explorada. Isso é a Missão Integral que foi
defendida em Lausanne por Billy Graham, John Stott, Francis Schaeffer, Samuel
Escobar e René Padilla, dentre outros líderes cristãos.
Mas essa Missão não se reduz
ao termo “social” no que concerne às condições materiais das pessoas. Um ponto
do Pacto não muito explorado quando se fala em “integralidade” é o 10. Ali se
insere outro dado da Missão Integral que alcança a cultura: A cultura deve sempre ser julgada e
provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua
cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a
sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. O evangelho
não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas
elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na
aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. Nesse ponto,
Francis Schaeffer concentrou boa parte de seu esforço intelectual para alcançar
as pessoas com a mensagem do evangelho. Em sua tese apresentada no Congresso,
ele criticou posturas que iam desde ao equívoco da igreja confundir padrões da
classe média com os absolutos da Palavra de Deus, passando pelo relativismo
moral da sociedade presente à necessidade de haver beleza na maneira como os
cristãos tratam uns aos outros. A síntese daquela tese era “Sendo o
Cristianismo, como a Bíblia afirma, a verdade, ele tem de atingir cada aspecto
da vida”. Isso é Missão Integral. Na assertiva repetida frequentemente: “o
Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens”.
Por
outro lado, a Teologia da Missão Integral (TMI), talvez tomando por empréstimo
expressões do artigo 5 do Pacto de Lausanne que diz A mensagem da salvação
implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão
e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça
onde quer que existam, se aproxima em seus discursos e práticas de uma vertente
política marxista (é em Marx que encontramos a expressão “alienação política”)
e, por tabela, da Teologia da Libertação (TL) do católico excomungado Leonardo
Boff. Vejamos:
·
A Teologia da
Libertação tem base no discurso marxista. Como exemplo, basta verificar os
escritos de Boff, sua simpatia e militância com a política assistencialista do
PT, e os apontamentos que Ratzinger fez dessa vertente teológica
classificando-a como de influência marxista.
·
A Igreja
Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB) adotou
oficialmente a Teologia da Libertação em seu discurso teológico e atividade
pastoral, bem como o próprio ecumenismo.
·
O pastor luterano
brasileiro Walter Altmann, moderador do Conselho Mundial de Igrejas, autor do
livro Lutero e Libertação – uma releitura
de Lutero em perspectiva latino-americana (1992), busca nessa obra um
equilíbrio hermenêutico entre o “discurso confessional e a práxis libertadora”
trabalhando conceitos da teologia tradicional com uma hermenêutica que se volta
para a “teologia dos oprimidos”.
·
Tanto o bispo
anglicano Robinson Cavalcanti como o pastor Ariovaldo Ramos declararam que a
TMI é uma versão evangélica ou uma variante protestante da TL. A propósito, Ariovaldo
saiu em defesa de Dilma, Lula e o PT por ocasião das investigações da Operação
Lava Jato e é conhecido por uma postura progressista que se alinha ao
pensamento de esquerda, tendo demonstrado simpatia também por Hugo Chávez,
ditador venezuelano.
Enquanto
a ênfase da Teologia da Libertação está numa igreja sem hierarquia (podendo
recusar até a autoridade divina numa radicalização desse pressuposto), na
missão de ir aos “excluídos”, no ensino de que comunhão é partilha (sem
propriedade privada) e na busca por libertação das estruturas do pecado social
(caricaturado no capitalismo), a contrapartida da mensagem completa (ou
integral como queiram) do evangelho está na autoridade de Deus, na missão de
ensinar todas as nações (Mt 28.19), no direito individual das pessoas
(inclusive à propriedade) e na libertação de todo o pecado com vistas à
salvação e vida eterna (Jo 5.24). Assim, parece não ser salutar a própria
identificação de uma “missão integral” da igreja com essa “teologia da
libertação”. Mas, se o fazem, é porque há certa semelhança.
A
meu ver, o cuidado com os pobres e a atividade social da igreja não deve ser
confundido com uma “Teologia” que supervaloriza os versículos bíblicos que conclamam
um olhar para os pobres e se alinha à defesa de uma ideologia de esquerda. Não
foi dessa forma seletiva que atuou William Wilberforce e Abraham Kuyper. Ao
contrário, “o Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens” indica todas
as dimensões do ser, seja material, física, social, intelectual, cultural,
política, artística, etc. Um Cristianismo Relevante é aquele que realça todas
as necessidades do ser, pois Cristo exige a posse de todos os domínios da
existência humana (como disse Kuyper), e o Cristianismo é a verdade sobre o
todo da realidade, não somente sobre assuntos religiosos (como disse
Schaeffer). Sou adepto da Missão Integral, mas não dessa “Teologia”. Afinal, no
texto sagrado encontramos tanto “a fé sem obras é morta” (Tg 2.26) como “nem só
de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus” (Lc 4.4). É isso.
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